quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

Preparando a festa (Projeto Nemuri - parte 2)

A sala de reunião do castelo estava movimentada. Eram 15 pessoas sentadas à mesa comprida de carvalho, mais as tantas que entravam e saíam de lá com pilhas de papéis para que providências fossem tomadas. A rainha Solsana sentava-se à ponta da mesa ao lado da princesa Olara. À esquerda e à direita das duas estavam os assessores e os cerimonialistas que ajudavam na preparação do aniversário de 14 anos do infante Hinfiki, único filho da princesa com o duque de Rafos, já falecido.

Conforme combinado previamente entre elas, Solsana cuidaria da cerimônia externa, para os súditos que viriam aos jardins do castelo prestigiar a festa, e Olara ficaria com a cerimônia interna, apenas para a alta nobreza do reino de Nianguá, e com a iniciação do pequeno Hinfiki. A rainha havia decidido que a festa começaria com a banda real se apresentando no palco Sul, para em seguida a companhia de dança imperial fazer no palco Norte a encenação da mais clássica das peças do reino: "A Conquista do Leste". Isso tudo deveria durar pouco mais de uma hora e meia. Os presentes assistiriam tudo em pé mesmo, para evitar a confusão e a sujeira que ficou quando cadeiras e bancos foram disponibilizados na Festa da Colheita de dois anos atrás. Entre eles passariam vendedores de pães recheados e suco de waná patrocinados pela corte, com o preço simbólico de 2 tikis.

Findas as apresentações, Solsana apareceria no reduzido palco Leste ao lado da filha, do neto, do primeiro-ministro Iurguel e da baronesa de Sáchia, sua esposa. Um breve discurso seria proclamado pela rainha, seguida por um de Olana e concluído pelo do político. A música voltaria ao palco Sul, desta vez com a voz doce da marquesa de Córis em um show acústico. Por fim, concluindo a cerimônia, a iniciação de Hinfiki no palco Norte. Para que a multidão disperse, os vendedores parariam suas atividades após este último ato e apenas parte da banda real estaria fazendo algum som em solo até que o último presente deixe os portões do castelo. Esse era o esquema geral que era discutido com os ajudantes, buscando sugestões de melhorias logísticas, selecionando fornecedores e tomando decisões.

Olara, por sua vez, era menos decidida que sua mãe. Sua preocupação com as reações de seu filho em sua iniciação, feita para um público gigante, ocupavam parte de sua mente e a impediam de ser mais assertiva quanto aos detalhes. De qualquer forma, o esqueleto do momento estava montado. O jovem (ela diria a criança, mas fora censurada por sua mãe em reservado) entrará no palco e fará apresentações marciais com o bastão, a espada e o arco e flecha. Em seguida, encenará a batalha principal d'A Conquista do Leste ao lado do corpo de atores do reino e por fim o ápice, em que se aplica o Flagelo Puira para mostrar a todos que o rapazinho era de fato um Nemuri.

E aí é que morava a preocupação da princesa. Ela se lembrava de quando passou pelo Flagelo Puira. Os espectadores com os rostos hipnotizados, sabendo que nada aconteceria, mas esperançosos de ver a queda de um membro da família real. Fisicamente, o Flagelo não dói em um Nemuri. Incomoda um pouco, mas não dói. Mas psicologicamente, o efeito sob uma criança (sim, uma criança!) de 14 anos ver todos seus súditos torcendo para que algo dê errado, para que uma festa vire um banho de sangue, para que uma prova de superioridade se transforme em uma falha magistral, é devastador. Ela não gostaria que seu filho passasse por isso, mas sabia da importância da tradição.

Sendo assim, Olara focava esforços na cerimônia interna, essa sim em que Hinfiki seria admirado e quase adorado pelos nobres presentes. Após a iniciação, ele deverá trocar de roupa e vestir o traje de gala para se apresentar no salão de festas do castelo. Lá as 46 famílias de Nianguá com títulos nobiliárquicos elevados estarão sentadas em suas mesas ao redor do corredor em que o moço passará com passos cadenciados sob olhos maravilhados. Subirá os três degraus do pequeno palco do local e fará um curto discurso. Progressivamente, todos os presentes farão uma fila para cumprimentar pessoalmente o futuro rei e nobre guerreiro.

Da mesma forma que sua mãe, a princesa dava ordens e ouvia os conselheiros presentes, selecionando roupas, decoração, instrumentistas e demais pormenores que a situação exigia. Caia a tarde quando Olara chamou o seu filho para a sala. Entrou um rapazinho de pele escura, pouco mais de 1,55 m, cabelos trançados junto à cabeça e roupas soltas com temas geométricos coloridos. Seus olhos pretos ainda carregavam a candura da infância, o que reforçava o instinto de proteção da mãe com relação ao garoto.

- Filho, vá à Sala das Tradições e me aguarde lá. Chego em 10 minutos com sua avó. Hoje teremos uma conversa muito importante, que mudará sua forma de ver a vida e te preparará para a cerimônia daqui três semanas.

- Sim, mãe. Pode deixar!

Ele se despediu com um beijo carinhoso no rosto dela e saiu correndo, com todo o vigor da idade exalando pelos poros. Faltavam menos de 20 dias para que seu ingênuo menino virasse um homem, na mesma idade em que ela deixou de ser uma moça e se tornou mulher. Olara tomou a mão de Solsana, que a fez virar o rosto de forma quase automática, e disse:

- Vamos comigo, mãe! Preciso da sua presença para ter coragem de acabar com o que resta de inocência em Hinfiki.

A rainha notou o pesar no rosto da filha e se compadeceu. Ela se lembrava perfeitamente como fora quando ela e o rei contaram a história dos Nemuri para a princesa; as sensações ruins de trazer de solavanco uma pessoa à vida adulta, a culpa e a responsabilidade por isso. Com uma frase simples, ela encerrou os trabalhos daquele dia, ajeitou os cabelos crespos e grisalhos no coque no alto da cabeça e se levantou, seguida por Olara, ambas saindo em direção à Sala de Tradições.

1 comentários:

Jéssica disse...

Faz tempo que não leio, e faz tempo que não posta nada. Sumiu sem deixar rastros.
Saudades, sorriso 💛

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