terça-feira, 18 de setembro de 2012

Guerra e Sangue (parte 2)

Primeira parte: Guerra e Sangue (parte 1)

Ranik, mantendo o grito ainda por alguns segundos, retirou seu machado das costas e apontou para o exército inimigo. Simultaneamente, começou a correr em direção a eles, seguido de perto por seus liderados.

Do lado dos molitas, em vista da movimentação dos invasores, a dança ritual parou e gritos de ordem puderam ser ouvidos, sem que se fosse capaz de detectar a origem do som, contudo. Do chão, eles puxaram seus escudos quadrados de madeira escura e formaram uma parede. O choque da força contra a resistência seria o primeiro ato do teatro marcial.

O General se aproximava velozmente com seu exército, mas diminuiu o ritmo para permitir que o encontro violento entre corpos, espadas e a muralha negra de escudos se desse entre os mais empolgados: geralmente os mesmos que se perdiam na adrenalina e morriam no início da batalha.

Ranik, então, ordenou ao segundo destacamento que flanqueasse pela direita assim que a guarda inimiga fosse desafiada pela primeira batida, forçando ao extremo a tática e a organização molita.

As primeiras vidas eram ceifadas quando o líder dos ueltas teve a visão que queria: na terceira fileira atrás dos escudos, gesticulando sutilmente e falando alto, todavia sem chamar atenção, um molita de cabeça raspada e pele avermelhada ditava os movimentos do exército nativo.

Vendo que estava sendo flanqueado, o homem careca falou uma ou duas palavras incompreensíveis e o bloco molita de pouco menos de dez mil elementos dividiu-se em dois. Surpreendentemente, o segundo bloco deixou o primeiro e partiu para a ofensiva. Estava instalada a guerra total.

Esse é, sem dúvidas, o pior cenário possível para os comandantes. Levados pela fúria, pela emoção e até pelo instinto de sobrevivência, os combatentes param de obedecer cegamente (fundamental para que qualquer estratégia funcione) e começam a tentar matar o maior número possível de adversários, indiscriminadamente. Assim, perde-se a organização, perdem-se combatentes e, o puor dos efeitos, perde-se muito Sangue, que escorre dos corpos mutilados e serve aoenas para tingir o campo de batalhas.

Ciente desse risco e fazendo uso de sua experiência e sabedoria vindos principalmente do Sangue acumulado, Ranik ordenou o reagrupamento em células. Os soldados ueltas, nessa formação, devem formar grupos compactos de até quinhentos homens e manter a defensiva. O General, assim, pretende reduzir as baixas de seu lado e diminuir a violência dos assassinatos, deixando mais Sangue disponível ao final da luta.

O líder molita, que Ranik percebeu que era chamado de Vina pelos companheiros, mostrou-se surpreso. Também vociferou algumas ordens, que eram replicadas para o próximo por cada combatente de seu exército, e resolveu atirar-se um movimento extremamente inusitado e arriscado.

Tendo sido identificado por Vina como líder uelta e potência de Sangue, Ranik virou alvo de todos os molitas! Às dúzias, eles se atiravam contra o General para matá-lo e eram dizimados, um a um. O trunfo molita de igualdade mostrou seu lado perverso: não havia um homem capaz de, sozinho, tirar a vida desse guerreiro.

Quase quatro horas de combate haviam transcorrido e o resultado começava a ficar ruim para os donos das terras, com muitas baixas e a frustração ameaçando tomar seus corações. Vina, atento a isso, agachou-se, tomou um punhado do solo pedregoso nas mãos, esfregou, assoprou e jogou para o alto.

Antes que os pedriscos voltassem a tocar o chão, um estrondo de trovão sobrepôs-se às vozes que gritavam naquele vale. Repentinamente, uma chuva caldalosa arremessou-se com fúria dos céus sobre os indivíduos.

Sem que Ranik pudesse entender o porquê, todos ali começaram a ficar manchados em sua pele, com tons que variavam do amarelo Sol ao vermelho da brasa. Com um sorriso de satisfação no rosto, pela primeira vez naquele dia o líder molita gritou. Foram duas sílabas esbravejadas, repetidas por seus companheiros. Foi o marco da reviravolta.

O General observou atentamente o movimento adversário. Todos eles, que ficaram com a pele alaranjada após o início do temporal, atacavam impiedosamnete os ueltas que tinham o amarelo estampado em si, mesmo se em formação ou defendidos.

Olhando para o próprio braço, o líder uelta viu que o vermelho intenso era a cor que o cobria e compreendeu a magia dos nativos. Incapaz, pela primeira vez em sua longa vida, Ranik ordenou a retirada. Seus soldados mais rasos estavam sendo massacrados e o exército rapidamente perdia volume. Por terem o Sangue fraco, os jovens guerreiros não eram poupados do esquartejamento promovido pelos molitas.

Apesar de tudo, o General não estava de todo despreparado. A tática para recuar e se retirar fora treinada e, pela primeira vez desde que assumiu o exército, foi posta em prática. Cada uelta deveria carregar um corpo que tivesse perdido menos Sangue possível e recuar até o ponto acordado.

Ranik não se deu esse trabalho. Caminhou de costas, com o olhar fixo em Vina, que retribuiu com alívio no semblante. Os ueltas voltariam furiosos e mais preparados, isso era fato, mas com muito mais respeito também. O General fervia de raiva e viria para a revanche. Entretanto, não em um futuro próximo. A paz provisória dos molitas estava conquistada.

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