Ranik levantou a cabeça e observou o que viria a se tornar um campo de batalha. Do alto de um monte baixo, ele pôde ver a planície que se estendia a sua frente, com poucas gramíneas e essencialmente pedregoso. Pedras pequenas, fato, mas relevantes o suficiente para que ele levasse em conta em sua estratégia.
Atrás de si, um exército de pouco mais de 12 mil homens bem treinados, já conhecedores da arte do Sangue, aguardava suas ordens. Todos enfileirados e em grupos, conforme aprenderam com o General, outro nome pelo qual Ranik era conhecido.
Do outro lado deste cenário, os molitas aguardavam ansiosos a movimentação do adversário. Para eles, tratava-se do segundo contato com os ueltas. Os molitas sempre foram um povo guerreiro, mas de tradições seculares que limitavam a expansão territorial e populacional, motivo pelo qual nunca começaram nenhum conflito na história de Volq, mas também nunca foram dominados ou exterminados.
Os sentidos de Ranik procuravam o líder dos molitas, aqueles que deveria ter o Sangue mais forte e que seria certamente sua presa. Entretanto, com uma organização bastante particular, o exército molita não distinguia seus elementos, mesmo aqueles com papéis de liderança. Pequenas marcas feitas com pinos quentes sobre a pele, invisíveis a tão grande distância e impossíveis de diferenciar de cicatrizes de batalha se não por olhos treinados, cumpriam esse papel.
Ranik, como sempre fazia quando sentia que era hora do combate, ergueu seu escudo e começou a bater o pé no chão repetidamente. Seus combatentes repetiram o movimento, fazendo o ambiente ressoar como se os tambores do inferno anunciassem que seus arautos estavam prontos para encher os salões do submundo.
Para a surpresa dos ueltas, mas não do General, os molitas iniciaram um canto de guerra sincronizado com uma espécie de dança tribal. Uma dança de poucos movimentos, mas muito firmes e intensos. O cenário seria assustador para quem observasse de fora!
No fim, ambos os povos apenas buscavam a mesma coisa, mas de forma diferente: o fortalecimento do Sangue. Todo habitante de Volq conhecia a velha benção-maldição, rogada pela deusa Gobrela antes do tempo ser tempo e do espaço ter forma, quando foi abusada, agredida e transformada em tudo o que nos cerca pelo seu irmão gêmeo Darudo.
Instantes antes da última investida fraternal, conta a lenda, Gobrela fez com que toda a cria de Darudo tivesse uma parte dela em seu sangue ao nascer. Sua essência faria com que nenhum deles vivesse mais do que 100 estações, metade do potencial das demais criaturas, a não ser que consumissem o sangue uns dos outros. Virtualmente, os seres darudanos poderiam viver eternamente, mas em um estado de guerra permanente.
Essa era a ambição constante de Ranik, que já vivia mais do que 450 estações e sabia que, além da sobrevida, o Sangue dava mais força, destreza e inteligência. Também sabia que, quanto mais forte fosse o Sangue consumido, mais potente e duradouro seriam os efeitos.
Contudo, esse também era o trunfo dos molitas, que retiravam o Sangue dos mortos em batalha em uma cerimônia coletiva e permitiam que todos bebessem da mistura. Eram um povo unido, fiel e forte.
Após alguns minutos em que as tropas disputavam quem fazia mais barulho, cada uma com sua manifestação particular, o General abaixou o escudo e inspirou o mais fundo que seus pulmões permitiam. Seu exército repetiu o movimento com o escudo e cessou a batida com os pés.
Um grito grave, alto e aterrorizante rasgou o ar, saindo do peito do líder dos ueltas. Estava dado o sinal para o início do combate.
terça-feira, 13 de setembro de 2011
Guerra e Sangue (parte 1)
domingo, 28 de agosto de 2011
A criação (Parte 1)
O Tempo sempre existiu e sempre vai existir. Quando ainda não se definia o que era haver, o tempo já havia. Ele passou uma eternidade tentando saber o que era o tempo, e outra admirando sua beleza quando descobriu.
Mas, em algum momento, o Tempo cansou de apenas ser; e decidiu que queria estar. Acontece que ele não sabia como passar de um para outro, e gastou uma eternidade pensando como fazer a mudança.
De tanto pensar, encontrou uma forma. Então, em um movimento de dentro para fora, o Tempo se tornou Espaço, mas ainda era Tempo. O Espaço era vazio e escuro. E, pela primeira vez depois de tanto tempo, o Espaço, que já tinha sido Tempo, sentiu-se só. Mas não tinha tempo para pensar no que fazer, e tinha ficado grande demais para se mexer e mudar para outra forma. Achou que o melhor a fazer era se adensar um pouco e criar companheiros.
Em um soluço, criou três entidades, que viriam a ser chamadas de Trindade Absoluta. Curioso com suas criações, o Espaço indagou a elas o que eram.
- Eu sou a essência da criação, com poderes de preencher o vazio com matéria. Posso dar a forma que quiser e gerar o que bem entender. Quero me chamar Nalus.
Menos afoito e mais certo do que dizer, o próximo disse:
- O nada é meu objetivo, sou a negação da existência. Separo, acabo, destruo, reduzo. Não vou ter denominação diferente de Trifan.
Tímido, pensativo, observador e levemente contemplativo, o terceiro decidiu se pronunciar:
- Vão me chamar de Cuzio, mas não queria ter esse nome para sempre. Entretanto, não tenho outra escolha. Sendo assim, decidi que vou ser o espírito da mudança, o ente destinado a não permanecer, mas alterar. Não crio, como meu majestoso irmão Nalus, nem destruo, como o incisivo Trifan, também sangue do meu sangue. Serei a força que influencia suas ações, tomando posse de produto deles e modificando a meu prazer. Serei dono das coisas mesmo sem poder fazê-las minhas.
Ouvindo o que fora proferido pelos três, e maravilhado com o que fizera, o Espaço chorou, e suas lágrimas são a fonte da vida.