Primeira parte: A criação (parte 1)
Tudo o que havia se resumia ao Espaço e às três entidades. Não que fosse pouco, por que se trata de tudo o que temos ao nosso redor hoje e tudo o mais que nem sabemos ainda que existe. Contudo, Nalus não negou sua essência e decidiu criar. Com seu poder infinito, em seu primeiro esforço criou todos os tipos de energia possíveis, que de fato é uma só, mas assim como um cubo tem diversos lados e é um só, assim é a primeira obra de Nalus.
Cheio de energia, o Espaço regozijou e torceu para que, à semelhança de seu irmão, Trifan e Cuzio se manifestassem. O primeiro tentou destruir toda a energia que seu gêmeo criou, mas uma piscada do segundo fez com que o ato fosse transformado em separação. Assim, parte da energia virou matéria, parte se fez massa e o restante ficou como estava. A confusão generalizada do toque de duas entidades ao mesmo tempo causou uma enorme explosão, e até hoje é possível ver traços do acontecimento se você olhar fixamente para o céu por bastante tempo.
A ruptura causada foi enorme! O Espaço, que tudo via distraidamente, como quem observa filhos brincarem numa caixa de areia sem se atentar aos detalhes, assustou-se com a abrupta mudança de cenário. E em um movimento de todo involuntário, quase o Espaço volta a ser Tempo e tudo teria um fim sem nem ter começado. Como nós, seres humanos, estamos aqui para contar a história, obviamente não foi isso que aconteceu, e apesar de nada se saber sobre como o Espaço conteve-se e permaneceu, é sabido que o tempo iniciou-se aí. Só a partir deste acontecido é que pode se falar com propriedade em antes e depois, e toda vez que se usa essas palavras antes deste ponto é pura metáfora literária.
A explosão inicial, aquela que fez o tempo começar a contar dentro do Espaço, foi tão encantadora e maravilhosa, apesar de inesperada, que nenhum deles interferiu enquanto matéria, massa e energia se espalhavam por todo o Espaço. A falta de interação entre esses elementos, contudo, intrigava Nalus. Era como se cada um fosse transparente a tudo ao seu redor e ele percebeu que nada de concreto sairia dali. Infeliz com o rumo que sua criação estava tomando, Nalus interferiu novamente. Um movimento singelo e as interações foram criadas por ele, fazendo com que surgisse o que hoje chamamos de força. Assim como a energia, todos os tipo de força foram criados, apesar da força ser uma só, o que até hoje é um mistério dentro do conhecimento.
Trifan, reativo mais do que criativo, porém também infinitamente inteligente como seus irmãos, resolveu por seus dedos naquelas infindáveis interações que surgiram, desta vez agindo com cautela para evitar as interferências de mau gosto do aparentemente inconsequente Cuzio. Ao invés de acabar com as interações, aumentou-lhes a potência para que o encontro de duas partes de energia aniquilasse ambas e o encontro de duas partes de massa se agregasse ao ponto de nunca mais se separarem e atraírem cada vez mais massa. Inevitavelmente, pensou o ente da destruição, era só aguardar tempo o suficiente para que tudo fosse destruído.
Todos se surpreenderam. Trifan deu um golpe de mestre, sua essência se manifestou de forma alternativa ao tradicional e tirou todos do eixo. O Espaço se encolheu levemente por um período mais curto do que qualquer mísero instante, e só depois voltou a se expandir. Nalus nem se deu conta que criou um, e apenas um, ponto absoluto de energia, que até hoje vaga como singularidade por aí na imensidão. Já Cuzio foi além...
O mais novo entendeu o que acontecia e enxergou potencial. O espanto deu lugar ao brilhantismo, o choque abriu margem para a novidade. Cuzio mexeu nas regras! Sim, a energia, a matéria e a massa que Nalus criou ficariam lá, bem como as respectivas interações. Sim, as aniquilações de Trifan permaneceriam, bem como os aglomerados que a tudo sugam. Mas Cuzio decidiu que o infinito não mais seria a regra absoluta. Assim, ele transformou as existências e inventou o limite. E com o limite, estava estabelecido o equilíbrio, a base do sistema do nosso saber.
A perfeição do que estava a sua frente tocou o Espaço. Poucos dos nossos segundos haviam se passado desde o início do tempo, mas sua sabedoria eterna percebeu que aquilo era bom e deveria perseverar, mesmo à custa dele ter que interferir. Gigante demais para deter os dois irmãos antagônicos, mas ainda com todo o poder que lhe era intrínseco, mais poderoso do que as três entidades somadas, o Espaço respirou fundo e usou de seus atributos para acabar com o embate antes que tudo se transformasse em nada e em tudo e em nada eternamente. Sua voz foi ouvida pela segunda vez em toda a existência:
- Nalus! Trifan! Eu ordeno que se juntem a mim!
Nenhum dos dois tinha ideia do que aquilo significava, mas obedeceram prontamente. Em milhões de bilhões de trilhões de pedaços, ambos se desagregaram e passaram a fazer parte do Espaço e o encontro proposital de cada pedacinho de um com o de outro dourou o céu de fagulhas por incontáveis Períodos, que se juntaram em Eras, que se aglomeraram em Éons até que, por fim, quase tudo ficou escuro.
Ali, Cuzio chamou pelo seu Originador e pelos seus irmãos e não obteve resposta de ninguém. Sentia o Espaço ali, mas como algo e não mais alguém. Seus pares, contudo, não mais percebia; estejam mesclados ou banidos, ele nunca mais teve contato de forma alguma. A sua frente, a infinidade de possibilidades se abriu para o Transformador. Querendo esquecer a saudades que sentia de companhia, renomeou o Espaço como Universo e passou a tratar tudo como seu.
P.S.: agradecimentos especiais ao colega dos Contos Medievais, que, com um e-mail, criou a fagulha para continuar este conto.
Há 5 anos